O que é religião?
De acordo com o dicionário Oxford, religião é:
"crença na existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do ser humano e ao qual se deve respeito e obediência."
Essa noção de religião, entretanto, não é fixa. Atualmente as práticas religiosas ganharam contornos mais sutis, onde o praticante escolhe seguir ou não seguir esse ou aquele preceito religioso. O que demonstra uma tendência cada vez maior de ganho de consciência e racionalidade.
Antes de abordar o assunto principal desse artigo, cabe destacar a posição deísta sobre o enunciado pelo dicionário de Oxford:
"Cremos na existência de um criador das leis naturais que permitem desenvolvimento da vida, mas que não intervém no destino do ser humano e pelo qual não lhe deve obediência, uma vez que não deixou nenhum mandamento, mas sim a razão e o intelecto para que progredisse."
Quando as primeiras cidades estavam sendo formadas, os homens primitivos e selvagens eram subjugados pelo poder da espada para que mantivessem a ordem e assim, permitir o crescimento das comunidades. Mas o julgo da espada não foi suficiente para estabelecer os limites da civilidade e moralidade. Era necessário existir um poder dominador superior, ao qual o homem devesse ter medo e render obediência. Uma crença que o fizesse temer um destino ainda pior do que a espada, caso não se portasse bem. Usando a ignorância do homem sobre os fenômenos naturais e com a criação de mitos e lendas, surgiram as primeiras religiões.
O truque funcionou. Mas apesar de trazer um pouco de ordem e orientação moral para o homem primitivo, o método empregado é perverso. Meter medo na pessoa para que ela não desobedeça e ao mesmo tempo reforçar a ligação dela com o objeto a ser temido através da veneração é um vício que causa dependência, e como tal, deve ser combatido. Esse método tem sido usado há pelo menos 5.000 anos e está tão enraizado em nosso inconsciente cultural, que praticamos até hoje em nossas casas com nossas famílias. Talvez você já tenha ouvido de seus pais a frase “não faça isso porque se fizer vai ficar de castigo”, ou então, “não me desobedeça porque eu sou sua mãe/seu pai”.
O método, ou seja, a religião, carrega um efeito colateral nocivo para o desenvolvimento do homem. O método impõe limites para o livre pensamento e desacelera a evolução do raciocínio. O homem nunca vê ele próprio como agente de seu destino e portanto, não desenvolve o raciocínio necessário para sua própria evolução. Somente a razão e o intelecto é capaz de permitir e progresso do homem, e assim se aproximar, em entendimento, do princípio criador de todas as coisas.
Contudo, o homem está evoluindo, lenta e dolorosamente, mas está. Evoluímos porque é natural para nós raciocinar e pouco a pouco utilizamos cada vez mais esse presente de Deus, que é único. Podemos dizer que estamos na infância do pensamento. Há muito espaço para crescer e o tempo que levará depende exclusivamente de nos livrar das amarras que nos impedem de acelerar. A religião. Mas a mudança de método só acontecerá a partir do entendimento das causas e efeitos que a religião impõe e para isso precisamos entender como a religião funciona. A partir daí, fica mais fácil evoluir o pensamento e entender que o medo gerado pela religião é limitador. Como disse Freud: “Quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda”.
Então, como a religião funciona?
A religião emprega três artifícios para seduzir o pensamento do homem: o mistério, o milagre e a profecia. Vamos entender cada uma dessas três artimanhas e assim sermos capazes de nos livrar do medo.
Mistério é tudo aquilo que está oculto e que não pode ser conhecido, logo, dizer que algo é mistério, equivale a afirmar que você não poderá, nunca, compreender. A religião não quer que você fique revirando as ideias concebidas e por esse motivo cobre com o véu do mistério tudo aquilo que não quer que seja questionado. O mistério estabelece uma distância intransponível entre você e o objeto misterioso, mantendo você preso ao jugo da ignorância.
Mas é só raciocinar um pouquinho para perceber que nada é mistério. Tudo é natural. Uma semente, menor que a cabeça de um alfinete, carrega todo código necessário para se transformar em caule, folha e fruto, com toda as características e funções complexas que cada uma dessas partes possui. E de quebra, apesar do ambiente a sua volta, carrega também o código para o seu fim.
Não é preciso ensinar ao óvulo e ao espermatozoide como eles devem produzir um ser completo, composto de estruturas especializadas. Esse conhecimento já está lá, presente em cada célula, e é maravilhoso, mas não é um mistério, não está oculto de nós. É natural, assim como todo objeto da criação de Deus.
Os milagres são os coadjuvantes do mistério. Enquanto o primeiro serve para mantê-lo distante, este porém, serve para fazê-lo acreditar no primeiro. Mas o que é um milagre senão algo não compreendido, ainda. Quanto do que era considerado milagre antigamente, hoje é apenas ciência. Uma passagem bíblica favorece esse entendimento: Saulo de Tarso, que passou a se chamar Paulo após a sua conversão, foi motivado a se converter por um milagre que o fez voltar a enxergar três dias após uma queda em sua viagem para Damasco. Hoje, a contusão cerebral com perda momentânea de visão é caso diário e corriqueiro em qualquer hospital no mundo. A compreensão do que ocorre com a visão após um trauma não é um milagre, mas sim o exercício puro da razão. Se naquele tempo Saulo tivesse o entendimento do que lhe ocorreu, talvez, como bom fariseu que era, nunca teria se convertido.
Basta refletir um pouquinho para reconhecer que os milagres fabulosos como ressuscitar mortos, andar sobre a água e multiplicar comida do nada, não acontecem mais desde que o homem passou na pré escola do raciocínio. Porque? Algum motivo especial ou sobrenatural para isso? Não, simplesmente porque são fantasias. Mas há uma forma da religião mantê-lo acreditando nessas fantasias, que é a terceira e última artimanha. A profecia.
Mas antes de falarmos sobre a profecia, ocorre que o leque das coisas que as pessoas chamam de milagre é muito amplo e por esse motivo, cabe esclarecer quanto a capacidade do ser humano em entender, de fato, o que são esses fenômenos. Como dissemos, milagre é tudo aquilo que o homem não compreende e a capacidade do homem compreender os fenômenos a sua volta é limitada pelos seus sentidos. Sim, os sentidos do ser humano são limitados, e muito, como veremos a seguir.
Os sentidos que permitem ao homem perceber o mundo a sua volta são: a visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar. Alguns falam de um sexto sentido, mas para o que pretendemos demonstrar, nem é preciso falar sobre isso. Deixaremos este para uma outra publicação. Falaremos sobre os 5 sentidos mais conhecidos na ordem proposta:
A visão nos seres humanos é responsável, talvez, pela maior parte do que compreendemos sobre o mundo à nossa volta, contudo, nossa visão está longe de permitir conhecer “todo” mundo à nossa volta. Para começar, apenas uma pequena fração do espectro da luz é percebida pelo olho humano. O comprimento de onda visível está entre 400 e 700 nm. Tudo que está acima ou abaixo desta estreita faixa nós não percebemos. Mas não é porque não vemos que não há nada lá. Há vários animais na natureza que desenvolveram capacidades de visão além do espectro humano. Animais veem luz ultravioleta, cores que não identificamos e distâncias que não alcançamos. Ao acender a luz do seu quarto, você vê uma luz brilhante e contínua, mas um mosquito enxerga uma luz estroboscópica. Isso porque a eletricidade que gera a luz é de corrente alternada e seu ciclo é de 60 Hz (oscila 60 vezes por segundo). Um mosquito, tem capacidade de perceber a luz a uma velocidade 4 vezes maior que a nossa, por isso vê a luz piscando.
A audição humana só é capaz de captar sons entre 20 e 20.000 Hz. Mas um cão é capaz de ouvir sons na frequência entre 15 e 50.000 Hz. Um morcego ouve entre 1 e 120.000 Hz e um golfinho entre 70 e 240.000 Hz.
Há pouco a dizer sobre o tato, mas semelhante ao que experimentamos como tato, alguns animais são capazes de perceber pequenas variações de pressão e temperatura à sua volta. Alguns animais são capazes de sentir e se orientar pelos campos eletromagnéticos da terra.
Todo mundo já ouviu falar na capacidade dos cães em farejar coisas. Isso porque seu olfato é 100.000 vezes melhor que o nosso, o que lhes permite identificar até doenças embrionárias. Entretanto, os cães perdem para os humanos no sentido do paladar. Temos em torno de 9.000 papilas gustativas enquanto os cães têm apenas 1.700. Por causa disso somos mais exigentes quanto aos alimentos, mas também, é pouco provável que percebamos algum fenômeno através do paladar.
Fica claro, portanto, que nossa capacidade de perceber e entender alguns fenômenos é limitada e podem nos confundir, dando a impressão que se trata de milagres sobrenaturais, quando na verdade são apenas fenômenos naturais. Todavia a religião se aproveita de nossa ignorância sobre nossos sentidos para fortalecer a crença em uma de suas artimanhas.
Você já viu uma religião atestar como milagre algo ocorrido em outra religião? Você nunca verá, mas a ciência e a lógica dizem que fenômenos acontecem com qualquer um em qualquer lugar, então porque reconhecer apenas os fenômenos que lhes favorecem?
Tendo falado um pouco mais sobre os milagres, resta falar sobre a terceira e última artimanha que a religião utiliza para cativar e arrebanhar seus adeptos incautos. A profecia.
Como dissemos, uma das funções da profecia é mantê-lo crente em milagres que simplesmente não acontecem. Assim, na dúvida, você dirá que “se não aconteceu, ainda está por vir”, e continuará na espera de que algo miraculoso aconteça. Profecias são como fotos de OVNIs, existem aos montes, mas todas são ilegíveis, ofuscadas e impossíveis de comprovar. Todas as profecias dependem da habilidade do seu interpretador em convertê-las em fatos, datas e significados. Nenhuma é clara, preto no branco. Alguns religiosos dizem que elas são assim porque Deus não nos permite ver claramente o futuro. Ora, pela lógica, tais profetas estão transgredindo a vontade de Deus, ou então são mais poderosos que Ele. Uma das profecias mais ridículas e irrisórias é a que fala do fim dos tempos no livro do apocalipse. Lá ficamos sabendo da luta final entre Deus e o diabo e que no final Deus vencerá. Ora, se sou o diabo, sabendo disso, que vou perder, porque entraria numa luta com Deus? Ou o diabo não sabe ler, ou trata-se de uma fantasia muito mal engendrada. Outro exemplo de profecia que só faz mal ao homem é a de que ele, morrendo pela fé, irá desfrutar no paraíso de 72 esposas. Primeiramente, essa profecia diminui a mulher a condição de um prêmio, nada mais, e se não é “pecado” ter 72 esposas no paraíso, porque seria “pecado” tê-las aqui? Não precisaria ser 72, mas umas 10 já seria bom para quem apenas defende a fé.
Como vimos, mistério, milagre e profecia formam as bases da religião, pelas quais ela atribui para si a primazia de conhecer Deus e ser capaz de conduzir o destino do ser humano. O interesse por traz desse louvável objetivo começou por controlar o ímpeto primitivo do homem dentro de uma sociedade nascente e hoje se desdobra em muitos outros objetivos cujo caráter não é de nossa preocupação, pois, qualquer que seja ele, o resultado final é pernicioso ao ser humano. A religião não estimula o homem a pensar. Se o fizesse, não existiriam mais religiões em nossos tempos. Você já viu uma religião admitir que estava errada em seus fundamentos? Ou já viu uma religião aceitar novos preceitos trazidos por seus participantes? Não viu e nunca verá, o que revela por si só o caráter aprisionador de toda religião.
Por todas essas razões demonstradas, convidamos o leitor a pensar livremente, sempre, tendo como orientação a sua bússola moral e o conhecimento das consequências de seus atos para si e para o próximo.
"A religião começou quando o primeiro patife conheceu o primeiro tolo."
Voltaire
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