Uma pessoa próxima, ouvindo falar de mim, que eu era ateu, me perguntou:
– Me disseram que você é ateu. Você não acredita em Deus?
De certa forma, eu já sabia que, um dia, tal pergunta se faria e da forma como foi feita. Uma, por conhecer o círculo cultural e religioso desta pessoa, e outra por esperar que em nossas conversas, alguma pista de minha silenciosa filosofia, pudesse ser percebida.
Não escondo meus pensamentos. Só não fico falando aos quatro cantos por entender que cada um tem suas razões para acreditar nisso ou naquilo e o amadurecimento das ideias é desigual. Cada um tem o seu tempo certo.
Dei dois passos para trás em meus pensamentos, abaixei os olhos e calmamente formulei a resposta que a muito tempo vinha ensaiando.
– Não, não! Isso é um erro comum. Eu não sou ateu. Um ateu não acredita em Deus e eu acredito que Deus existe. Também não sou agnóstico, como você poderia, então concluir. Agnósticos ficam em cima do muro, dizendo que não há razão para acreditar e nem para desacreditar. Eu tenho uma razão para acreditar em Deus. É muito comum pensarem que se uma pessoa não tem religião, então ela não acredita em Deus, mas ter uma religião não é condição necessária para acreditar em Deus.
No rosto da pessoa dava para ver a expressão confusa com que ela tentava digerir as minhas palavras. Um misto de “não entendi nada” e “esse cara é doido”. E antes que lhe viesse alguma palavra incriminatória, me pus pacientemente a explicar.
– Eu acredito que Deus existe, mas não sou um teísta, com você, que tem uma teologia, uma doutrina, uma crença baseada numa tradição. Eu sou um deísta, com D de dado. Acredito que o Criador, a quem você chama de Deus, não pode, nunca, ser conhecido. Assim como a estátua de Pietá não pode conhecer Michelangelo, a Monalisa não pode conhecer Da Vinci e Romeu e Julieta não podem conhecer Shakespeare. A criação não pode conhecer seu criador, mas a criação pode explorar a sua volta e tentar achar pistas que o Criador tenha deixado, assim como analisando atentamente a Pietá, a Monalisa e as características de Romeu e Julieta, podemos descobrir alguns traços das personalidade de seus criadores. Por isso, o deísta, que eu sou, busca conhecer a Deus através da análise perseverante e cuidadosa da criação, utilizando um dom natural e maravilhoso que nossa espécie recebeu, a razão.
Percebendo ainda um certo grau de descrença e confusão na pessoa, usei o método, quase sempre eficaz, de fazê-la pensar e perguntei:
– Deixa eu te fazer uma pergunta. Talvez ajude você a entender minha posição. Deus tem religião?
A pessoa rapidamente raciocinou sobre aquela pergunta curta e bastante simples e de pronto respondeu com toda convicção que a obviedade permite:
– Não, Deus não tem religião!
E para não perder a linha de raciocínio e também o tempo da resposta, conclui.
– Então! Se Deus não tem religião, porque eu tenho que ter uma para acreditar nele?
E percebendo que, enfim, a pessoa tinha se dado por satisfeita e compreendido, em parte, a filosofia deísta, arrematei a conversa com a seguinte chancela.
– E você sabe quem disse isso pela primeira vez? Que Deus não tem religião?
Não respondeu a pessoa.
– Foi Mahatma Gandhi!
“O progresso nasce da dúvida e da investigação. A Igreja nunca duvida, nunca questiona. Duvidar é heresia, indagar é admitir que você não sabe – a Igreja também não.”
Thomas Paine
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