Se você perguntar para a maioria dos cristãos que leram a bíblia apenas uma vez ou só ouviram-na da boca dos padres e pastores: Quem fundou o cristianismo? Certamente você vai ouvir em uníssono, “Jesus”. Mas lamento informar aos religiosos de meia página que não foi ele.
Jesus, ou melhor Yeshua, como era chamado em sua época, era judeu. Nasceu judeu assim como seus pais e irmãos, foi circuncidado como todo judeu o é, e frequentou as sinagogas como se espera que um judeu faça. Mais tarde, quando começou a pregar, buscou nas escrituras judaicas as referências necessárias para sua pregação. Segundo Marcos (12:28-31), quando perguntado qual era o principal mandamento, ele respondeu citando a Tora em Deuteronômio (6:4-5):
“(...) Amarás o Senhor teu Deus de todo o seu coração, com toda tua alma, com todo teu pensamento e com toda tua força.”
Essa afirmação de fé é conhecida pelos judeus como Shenzá.
Também defendeu o templo do Deus judeu e as leis judaicas. Segundo relatado em Mateus (5:17-19), ele teria dito no famoso sermão da montanha:
“Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas, não vim abolir, mas cumprir. (...) Aquele que transgredir um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os homens a fazer o mesmo, será declarado o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os observar e os ensinar, será declarado grande no Reino dos céus.”
E mesmo quando ensinou seus discípulos a rezar, segundo encontramos em Mateus (6:9-13), ele vai buscar no Kadish, a principal oração judaica de louvor a Deus, as palavras:
“Avinu She’Ba’Sbamayiin, Itkadasb sbinei raba, V’al tevieinu lo lidei nissaion” ou “Pai nosso que estais no céu, Seja santificado Teu nome, Protege-nos contra a tentação.”
Portanto, segundo Yeshua, se você não não foi circuncidado, não leu a Tora, não frequenta a sinagoga e não segue as leis mosaicas, você será um “zé ninguém no reino dos céus”.
Sim, pode ficar bravo e dizer que ninguém te avisou. Você, que se considera um cristão seguidor dos ensinamentos de Jesus, vai passar apertado na ora de entrar no céu, segundo o próprio Jesus.
Yeshua era judeu, e não tinha a menor intenção de ser outra coisa. Nunca pretendeu criar uma outra religião diferente ou uma igreja que não fosse a sinagoga. Yeshua nunca quis pregar aos gentios (nós somos os gentios), conforme podemos ler nos relatos de seu discípulo Mateus (10:5):
“Jesus enviou os doze com as seguintes instruções: Não se dirijam aos gentios, nem entrem em cidade alguma dos samaritanos.”
Ou em Mateus (15:24-26):
“Ele respondeu: Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel. (...)”
As “ovelhas de Israel”, refere-se ao povo que descende de Abraão, ou seja, somente os judeus. Você não descende de Abraão, portanto, está fora do radar de Yeshua.
Ora, se Yeshua não queria pregar aos gentios e não queria fundar uma outra religião, quem o fez?
A resposta não é tão simples e direta como gostaríamos. As fontes de informação que dão pistas dos primeiros “cristãos”, não os classificavam como uma religião diferente da religião judaica, mas sim um tipo de variante do judaísmo, assim como existem nos dias de hoje cristãos católicos, ortodoxos, protestantes, evangélicos, etc.
O ser humano sempre foi muito habilidoso em moldar o ambiente a sua volta às suas necessidades, portanto, em um determinado momento e por um motivo desconhecido, as leis judaicas, os ensinamentos dos profetas e as palavras de Yeshua, começaram a ser ajustadas para “caber” em uma nova realidade, de um povo carente de orientação espiritual.
O primeiro judeu a fazer isso foi Saulo de Tarso.
Saulo, nascido na cidade de Tarso era um judeu ortodoxo de uma seita conhecida como “fariseus”. Os fariseus eram devotos fervorosos da Tora e foram eles que criaram as sinagogas antes do nascimento de Yeshua. Conhecidos pela sua retidão, em geral, eram eles que os romanos escolhiam para o serviço de cobrar os impostos que eram devidos ao império. Logo, os fariseus ganharam uma má fama junto a todo povo, judeu ou não.
Segundo relatos de Atos dos Apóstolos, Saulo perseguia os judeus rebeldes, dentre eles, aqueles que consideravam Yeshua um “mashiach” ou messias. Mas a vida de Saulo teve uma reviravolta misteriosa em uma de suas viagens para a cidade de Damasco. Nessa viagem, ele teria tido uma revelação de Cristo ressuscitado e então, ficado cego.
Paradoxo temporal: Saulo não conheceu Yeshua pessoalmente. Nem mesmo passou perto dele. Então como pode ele ter tido uma visão de Yeshua ressuscitado? Como poderia saber que era ele?
Depois que sua visão voltou milagrosamente após três dias, Saulo se converteu (passou a acreditar que Yeshua era o mashiach), adotou o nome Paulo e parou de perseguir os judeus rebeldes. Depois de algum tempo, em outra de suas viagens, encontrou e conheceu Pedro e Tiago, dois dos apóstolos que estiveram com Yeshua em sua pregação. Esse encontro durou 15 dias (Gál. 1:18-19).
Portanto, tudo que Paulo escreveu em suas “supostas” cartas, são informações de segunda mão e distantes das referências originais dos fatos, ditas recebidas em revelações (Gál. 1:12). Paulo nunca foi um dos doze apóstolos de Yeshua.
Foi Paulo que quis pregar para os não judeus (os gentios) e nesse ponto, ele se desentendeu com Pedro (sim, São Pedro, o pai da igreja e dono das chaves do céu) (Gál. 2:11-15). Pedro queria que os gentios se convertessem ao judaísmo, incluindo a circuncisão, assim como havia sido ensinado por Yeshua. Mas Paulo achava que não era preciso, ou melhor, se assim fosse, não conseguiria arrebanhar muitos adeptos.
Assim nasceu o primeiro cristão.
“A melhor cura para o cristianismo é ler a bíblia.”
Mark Twain
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