Desde que o cientista Max Planck cunhou o termo "quântica" pela primeira vez, temos visto a palavra ser empregada fora da física em diversos artigos sobre pseudociências.
O que essa palavra significa e por que ela é tão usada fora da física?
Apesar de passar a impressão algo mágico e de ter uma ótima sonoridade para ser dita no meio de algum discurso, a palavra “quântica” quer dizer apenas “certa quantidade”. Os cientistas observaram que os elétrons de um átomo podiam “saltar” de uma camada (órbita) para outra, assumindo apenas determinados valores. Em resumo, você nunca vai ver um elétron entre uma camada e outra. Ele pula de uma camada para outra assumindo “certa quantidade” de energia. Só isso! A partir dessa descoberta , todos os estudos relativos aos fenômenos subatômicos passaram a ser chamados de “teorias da física/mecânica quântica".
Muitos outros fenômenos subatômicos já foram observados e comprovados, deixando de ser apenas uma “teoria” para ganhar o status de ciência, entretanto, apesar do esforço de milhares de cientistas há pelo menos um século, alguns fenómenos ainda não tem uma explicação e é aí que que os oportunistas que disseminam as “pseudociências” entram na história.
Se você quer trazer notoriedade para o que você faz, nada melhor que associá-lo a algo notável, estudado por personalidades famosas e igualmente notáveis.
Aproveitando-se do fato de que a ciência ainda não tem explicação para alguns fenômenos físicos e do impacto de frases ditas por alguns cientistas tentando descrevê-los, como quando Albert Einstein chamou o entrelaçamento quântico de “ação fantasmagórica à distância”, alguns pseudocientistas tentam seduzir a atenção dos incautos, fazendo acreditar que esses fenômenos explicam, ou dão alguma base para acreditar, em suas pseudociências.
“ — Ora! se a ciência não pode provar, porque eu deveria?”
É um pensamento simples, fácil de ser assimilado por qualquer pessoa ignorante. Junte a isso o fato de alguns fenômenos físicos terem alguma semelhança com fenômenos metafísicos e pronto! Você tem a receita perfeita para a campanha de marketing das pseudociências.
O rol das pseudociências que se utilizam da associação com os fenômenos da física quântica vão desde a parapsicologia, astrologia e homeopatia, até os exotéricos como numerologia, aromaterapia, cristaloterapia, cromoterapia e etc.
Mas as semelhanças entre os fenômenos da física quântica e os das pseudociências são só isso. Semelhanças. O abismo que separa a ciência da pseudociência é enorme e tem só um motivo, a razão.
A ciência utiliza métodos de testagem para uma suposição e ela só é elevada à categoria de teoria após ser estatisticamente plausível. E esse é só o começo. Daí para frente a teoria é oferecida a toda a comunidade científica para que seja provada. Enquanto a teoria resistir aos esforços para desacreditá-la, ela se mantém, até que seja comprovada. Muitas teorias morreram na praia e a única razão para você não conhecê-las é justamente essa. Não passaram no exame.
Basta um único argumento contrário, sem defesa, para condenar uma teoria científica. Mas o mesmo não se aplica às pseudociências, como veremos a seguir. Para exemplificar essa diferença, analisaremos uma pseudociência que tem estado na moda na última década, a Constelação Familiar Sistêmica.
A CFS, como vamos abreviar, propõe que certos problemas emocionais são causados por traumas familiares do passado, vividos por seus parentes, vivos ou mortos. E que é possível “resolver” os problemas identificando, entendendo e corrigindo esses traumas. Para isso, o paciente da CFS deve interagir com um grupo de pessoas que vão “simular” os seus familiares vivos ou mortos, enquanto um “facilitador” intermedia esse relacionamento. O método foi proposto por Bert Hellinger, um ex-padre alemão, sem formação em psicologia ou psiquiatria, cuja experiência vem de 20 anos de sacerdócio na África e um curso de psicanálise.
Porque Hellinger abandonou a batina? Será que seu método é coerente com o que a religião cristã prega?
O método de Hellinger ganhou espaço e se difundiu entre as pessoas que oferecem ajuda para resolver problemas pessoais. Não é preciso ter formação acadêmica e qualquer pessoa pode fazer um curso de CFS para ser um “facilitador”. Os participantes, tanto o paciente como o grupo de simuladores familiares, tampouco precisam de qualquer preparação ou experiência. Normalmente apenas uma sessão para cada “problema” é necessária.
E é justamente aí que começam os problemas com a CFS. Se você repetir a sessão várias vezes sobre o mesmo problema, com facilitadores e simuladores familiares diferentes, o resultado será sempre diferente. Em uma sessão você pode descobrir que seu falecido avô batia na sua mãe e em uma outra, descobrir que seu pai foi responsável pela perda de um bebê. Como você está procurando por uma “resposta” para o seu problema, você encontrará significado em qualquer trauma que se apresente.
O método pode aparentemente funcionar, mas isso não quer dizer que as representações encenadas pelo grupo são verdadeiras. Por “funcionar” podemos apenas entender que o paciente da CFS “fica satisfeito” com o resultado que encontra. As interações com o grupo de simuladores familiares reforçam a ideia de aceitação, mas a psicologia explica esse comportamento como um reforço comunal e o paciente do CFS tende a acreditar na representação pelo viés de confirmação. O papel do facilitador, que não deveria ter influência sobre o resultado, também contribui para reforçar a sugestão fazendo uma leitura fria do grupo e contaminando o resultado.
A ligação dessa pseudociência com a física quântica é nenhuma, mas os interessados em disseminar o método dizem que a interação do grupo durante a sessão ocorre devido aos "campos psíquicos de energia", uma espécie de consciência coletiva. Um dos seguidores de Hellinger, o Dr. Albrecht Mahr chama esse campo de energia de “campo do conhecimento”, e o define assim:
“As descobertas constantemente surpreendentes, particularmente na física quântica, trazem a ciência cada vez mais perto da espiritualidade, ou seja, a consciência de nossa profunda interconexão e de que o amor é nossa qualidade original e nossa essência. A física quântica e a espiritualidade estão nos ensinando que estamos profundamente conectados (“emaranhados” na linguagem quântica) a tudo e todos: o que acontece aos outros acontece igualmente para nós de uma forma muito concreta e por vezes até mensurável.”
Os físicos chamam isso de charlatanismo quântico, pois não há nenhuma boa razão para acreditar que existam efeitos quânticos no nível biológico. Na melhor das hipóteses, a noção de emaranhamento para explicar problemas psicológicos complexos pode servir como uma metáfora, mas mesmo assim seria apenas uma metáfora.
“Minha religião não reconhece nenhuma obrigação de resolver dúvidas a não ser por meios racionais; e não ordena a mera fé nas verdades eternas.”
Mendelssohn
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