“O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.”
Aristóteles
Em nossa cultura, muita gente confunde duvidar com ser ignorante e automaticamente, rotula como um aspecto negativo. Mas isso é o que querem que você pense, para que você continue ignorante.
Como já foi dito por muitos mestres e sábios da nossa história, duvidar não tem nada haver com ignorância, muito pelo contrário. Duvidar é o princípio da razão e é somente pela razão que somos capazes de progredir. Se o aforismo de Aristóteles não foi suficiente para te convencer, vamos apresentar neste artigo algumas razões irrefutáveis.
Nosso corpo é uma "máquina" desenvolvida há milhões de anos e adaptada a diversas condições do meio ambiente. O fator crucial para que essa máquina tenha sobrevivido tão perfeitamente é a economia de energia. Somos ótimos em otimizar o consumo de energia para fazer todas as coisas que precisamos, mas tem um órgão de nosso corpo que é o mais gastador de todos. Você arrisca dizer qual é?
O nosso cérebro pesa aproximadamente 1,3kg e representa 2% da massa de nosso corpo. Entretanto, ele consome 25% da energia gerada. Ele é responsável por quase tudo e gasta muita energia para manter tudo funcionando. O processamento das informações sensoriais (visão, audição, olfato, tato e paladar), juntamente com a execução do raciocínio são os principais vilões. Você pode fazer uma analogia com o processador de um computador.
Mas o cérebro também desenvolveu mecanismos para economizar energia, e é graças a esse mecanismo que somos capazes de executar tarefas complexas. Durante milhões de anos, nosso cérebro desenvolveu um truque para não processar toda informação enviada pelos sentidos. Assim, apenas partes do que percebemos é processada e assim ele consegue economizar energia.
Mas se o cérebro só utiliza parte das informações captadas pelos sentidos, como é que conseguimos ver, ouvir, cheirar, tatear e degustar?
Nosso cérebro preenche as lacunas faltantes. Sim, nosso cérebro aprendeu a “tentar adivinhar” o que falta nas informações dos sentidos e completar com as informações restantes. Mas não é só isso. Nossos sentidos também são muito limitados, como por exemplo a visão. O olho humano é capaz de perceber o mundo à nossa volta a uma taxa média de 30 a 60 fps (frames por segundo) e possui uma resolução máxima de 576 megapixels (em condições ideais). Mas nós vemos (com o cérebro completando o que falta) com uma definição muito maior.
Você já percebeu como somos hábeis em reconhecer rostos e outras formas comuns em quase tudo que vemos. Desde nuvens até cascas de árvores. Você também já deve ter visto várias imagens ilusórias ou truques de mágica, e relatos de pessoas amputadas que ainda sentem seu membro. Tudo isso acontece graças à capacidade do nosso cérebro em completar as informações com outras já armazenadas em nossa memória. Tudo parece extremamente real, mas, na verdade, não passa de ilusões criadas pelo cérebro. Desde memórias da infância até as imagens registradas no dia a dia, o que vemos e sentimos, quase nunca é o que parece.
Já aconteceu com você de ter certeza de ter feito uma coisa, mas não fez? Como achar que pegou as chaves do carro quando, na realidade, nem tocou nelas.
Isso acontece frequentemente com várias pessoas e é chamado de Memórias Falsas.
Nosso cérebro pode distorcer ou fabricar recordações de um evento. Isso acontece por vários motivos, mas frequentemente é devido aos seus sentidos não captarem todos os detalhes de uma cena e então o cérebro tenta preencher com detalhes que ajudem a fazer sentido. Também é possível que durante um evento, uma outra informação não relacionada chame sua atenção, daí seu cérebro pode gravar esse evento de forma diferente do que realmente aconteceu.
Você pode estar pensando agora que também faz esse tipo de confusão o tempo todo, mas isso é diferente de fazer confusão. Na memória falsa a pessoa tem absoluta certeza de que o evento aconteceu da forma como se recorda. Não há dúvida. Diferente do acontece quando você tem dúvida sobre ter acontecido assim ou de outra forma.
Muitos erros de julgamento podem ocorrer devido a memórias falsas, principalmente quando estão relacionadas a algum evento emocionalmente traumático, como no testemunho ou na participação em um crime. Não é raro que advogados recorram a psicólogos para ajudar a esclarecer se as recordações de um crime são verdadeiras ou não. Alguns testes podem ser aplicados e dependendo do resultado isso pode reverter a decisão do júri ou do juiz.
Você já ouviu falar de “Efeito Mandela”? Trata-se de um fenômeno comum de memórias falsas compartilhadas. Sim, são memórias falsas coletivas, onde várias pessoas se lembram de uma mesma coisa que não existe. O nome Efeito Mandela foi dado pela autointitulada pesquisadora paranormal Fiona Broome e depois comprovado por vários pesquisadores em sociologia e psicologia. Fiona e muitas outras pessoas se lembravam claramente de Mandela ter morrido em 1980, mas na realidade ele morreu em 2013. Esse fenômeno acontece com diversos ícones da cultura independente das experiências de cada indivíduo.
Uma pesquisa realizada em laboratório e publicada na revista científica Nature Neuroscience em 2014 revelou que memórias podem ser passadas para gerações posteriores através do esperma.
Em um experimento, ratos foram estimulados com um aroma de fruta e em seguida com um leve choque nas patas. Em pouco tempo, os ratos associaram o aroma da fruta com o choque e passaram a ter uma reação aversiva ao aroma. Sempre que sentiam o cheiro eles pulavam para evitar o choque.
Esses ratos procriaram e seus filhotes foram separados dos pais. Foi observado que os filhotes também repeliam o aroma da fruta, mesmo sem ter tido contato com os seus pais e também nunca terem recebido nenhum choque. O mesmo foi observado na segunda geração de ratos, ou seja, os netos dos primeiros ratos também reagiam da mesma forma ao aroma da fruta.
A pesquisa concluiu que alguns genes do DNA podem ser ligados ou desligados, como uma chave, através de proteínas que se ligam aos genes. Essas proteínas são, sim, afetadas por distúrbios emocionais fazendo que algumas chaves sejam ligadas ou desligadas no DNA e essa alteração esta presente também no DNA do esperma, consequentemente, passando a informação para as outras gerações.
Este mecanismo é chamado de Herança Epigenética Transgeracional e existe em todos os animais, inclusive em nós. Portanto, é provável que algumas memórias que nós temos não sejam nossas, mas que foram transmitidas para nós pelos nossos pais e avós.
Talvez você já tenha percebido algum hábito em alguém de sua família que se assemelha muito com o hábito de algum antepassado, mas que seria impossível de acontecer porque a pessoa não chegou a conhecer ou conviver com esse antepassado. É isso. São lembranças transmitidas pelo esperma para as gerações posteriores.
Voltando ao início deste artigo, esperamos que você tenha se convencido que nem tudo que você acredita ser efeito de suas próprias experiências, realmente é. Suas opiniões e crenças podem ser influenciadas por memórias falsas ou memórias de seus antepassados. Portanto, a única maneira de você criar suas próprias convicções é questionar tudo e usar a razão para estabelecer a verdade. Do contrário, você poderá estar vivendo uma ilusão ou uma experiência que não é sua.
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